Vênus

A estrela da manhã

Vénus (português europeu) ou Vênus (português brasileiro) (AO 1990: Vénus ou Vênus) é o segundo planeta do Sistema Solar em ordem de distância a partir do Sol, orbitando-o a cada 224,7 dias. Recebeu seu nome em homenagem à deusa romana do amor e da beleza Vénus, equivalente a Afrodite. Depois da Lua, é o objeto mais brilhante do céu noturno, atingindo uma magnitude aparente de -4,6, o suficiente para produzir sombras. A distância média da Terra a Vênus é de 0,28 AU, sendo esta a menor distância entre qualquer par de planetas. Como Vénus se encontra mais próximo do Sol do que a Terra, ele pode ser visto aproximadamente na mesma direção do Sol (sua maior elongação é de 47,8°). Vénus atinge seu brilho máximo algumas horas antes da alvorada ou depois do ocaso, sendo por isso conhecido como a estrela da manhã (Estrela-d'Alva) ou estrela da tarde (Vésper); também é chamado Estrela do Pastor.

Vénus é considerado um planeta do tipo terrestre ou telúrico, chamado com frequência de planeta irmão da Terra, já que ambos são similares quanto ao tamanho, massa e composição. Vénus é coberto por uma camada opaca de nuvens de ácido sulfúrico altamente reflexivas, impedindo que a sua superfície seja vista do espaço na luz visível. Ele possui a mais densa atmosfera entre todos os planetas terrestres do Sistema Solar, constituída principalmente de dióxido de carbono. Vénus não possui um ciclo do carbono para fixar o carbono em rochas ou outros componentes da superfície, nem parece ter vida orgânica para absorvê-lo como biomassa. Acredita-se que no passado Vénus possuía oceanos como os da Terra, que se evaporaram quando a temperatura se elevou, restando uma paisagem desértica, seca e poeirenta, com muitas pedras em forma de placas. A água provavelmente se dissociou e, devido à inexistência de um campo magnético, o hidrogênio foi arrastado para o espaço interplanetário pelo vento solar. A pressão atmosférica na superfície do planeta é 92 vezes a da Terra.

A superfície venusiana foi objeto de especulação até que alguns dos seus segredos foram revelados pela ciência planetária no século XX. Ele foi finalmente mapeado em detalhes pelo Programa Magellan de 1990 a 1994. O solo apresenta evidências de extenso vulcanismo e o enxofre na atmosfera pode indicar que houve algumas erupções recentes. Entretanto, a falta de evidência de fluxo de lava acompanhando algumas das caldeiras visíveis permanece um enigma. O planeta possui poucas crateras de impacto, demonstrando que a superfície é relativamente jovem, com idade de aproximadamente 300-600 milhões de anos. Não há evidência de placas tectônicas, possivelmente porque a crosta é muito forte para ser reduzida, sem água para torná-la menos viscosa. Em vez disso, Vénus pode perder seu calor interno em eventos periódicos de reposição da superfície

Atmosfera e clima

Vénus tem uma atmosfera extremamente densa, que consiste principalmente de dióxido de carbono e uma pequena quantidade de nitrogênio. A massa atmosférica é 93 vezes a da atmosfera da Terra, enquanto a pressão na superfície do planeta é 92 vezes aquela na superfície da Terra – uma pressão equivalente àquela a uma profundidade de quase 1 km no oceano da Terra. A densidade na superfície é de 65 kg/m³ (6,5% da densidade da água). A atmosfera rica em CO2, juntamente com as espessas nuvens de dióxido de enxofre, gera o mais forte efeito estufa do Sistema Solar, criando temperaturas na superfície acima de 460 °C. Isto torna a superfície venusiana mais quente do que a de Mercúrio, que tem temperatura superficial mínima de -220 °C e a máxima de 420 °C, apesar de Vénus estar a uma distância do Sol quase duas vezes maior que a de Mercúrio e receber apenas 25% da irradiação solar que Mercúrio recebe (2 613,9 W/m² na atmosfera superior e 1 071,1 W/m² na superfície).

Estudos sugeriram que há alguns bilhões de anos a atmosfera venusiana era muito mais parecida com a da Terra do que é agora, e que havia provavelmente substanciais quantidades de água líquida na superfície, mas um efeito estufa foi causado pela evaporação da água original, o que gerou um nível crítico de gases de efeito estufa na atmosfera. A detecção de fosfina na atmosfera de Vénus, sem nenhum caminho conhecido para a produção abiótica, levou à especulação em setembro de 2020 de que poderia haver vida atualmente presente na atmosfera. Truong e Lunine argumentam que o vulcanismo é o meio para a fosfina entrar na atmosfera superior de Vênus.

A inércia térmica e a transferência de calor por ventos na atmosfera inferior fazem com que a temperatura na superfície venusiana não varie significativamente entre dia e noite, apesar da rotação extremamente lenta do planeta. Os ventos na superfície são lentos, movendo-se a poucos quilômetros por hora, mas, por causa da alta densidade da atmosfera na superfície do planeta, exercem uma força significativa contra obstáculos e transportam poeira e pequenas pedras pela superfície. Só isso já tornaria difícil um homem caminhar, mesmo que o calor e a falta de oxigênio não fossem um problema.

Acima da densa camada de CO2 estão espessas nuvens consistindo principalmente de gotículas de dióxido de enxofre e ácido sulfúrico. Essas nuvens refletem de volta para o espaço cerca de 60% da luz do Sol que incide sobre elas e impedem a observação direta da superfície venusiana na luz visível. A capa permanente de nuvens implica que embora Vénus esteja mais próximo do Sol do que a Terra, sua superfície não é tão bem iluminada. Fortes ventos a 300 km/h no topo das nuvens circulam o planeta a cada 4 a 5 dias terrestres.Os ventos venusianos se movem a até 60 vezes a velocidade de rotação do planeta, enquanto na Terra os ventos mais fortes chegam a apenas 10% a 20% da velocidade de rotação.

A superfície de Vénus é efetivamente isotérmica; ela mantém uma temperatura constante não somente entre dia e noite, mas também entre o equador e os polos. A pequena inclinação axial do planeta (menos de três graus, comparados com os 23 graus da Terra) também minimiza variações sazonais de temperatura. A única variação apreciável de temperatura ocorre com a altitude. Em 1995, a sonda Magellan localizou uma substância altamente reflexiva nos topos das montanhas mais altas, que tinham grande semelhança com a neve terrestre. Esta substância presumivelmente se formou num processo similar à neve, embora a uma temperatura muito maior. Volátil demais para condensar na superfície, ela subiu em forma de gás para as elevações maiores e mais frias, onde então precipitou. A identidade desta substância não foi determinada com certeza, mas as especulações variam entre telúrio elementar e sulfeto de chumbo (galena).

As nuvens de Vénus são capazes de produzir raios de forma muito similar às nuvens da Terra. A existência de raios foi controversa desde que as primeiras explosões foram detectadas pelas últimas sondas soviéticas Venera. Entretanto, em 2006-07 a Venus Express claramente identificou ondas eletromagnéticas típicas de raios. Sua aparição intermitente indica um padrão associado à atividade do clima. A frequência de raios é pelo menos a metade daquela da Terra.[46] Em 2007, a sonda Venus Express descobriu que existe um enorme vórtex atmosférico duplo no polo sul do planeta

Na Cultura

Por ser um dos objetos mais brilhantes do céu, Vénus é conhecido desde os tempos pré-históricos e, como tal, ganhou uma posição importante na cultura humana. Ele foi descrito em textos babilônicos cuneiformes, como a placa de Vénus de Ammisduqa, que relata observações que possivelmente datam de 1 600 a.C.. Os babilônios chamavam o planeta de Ishtar (do sumério Inana), a personificação da feminilidade e deusa do amor.

Os antigos egípcios acreditavam que o planeta Vénus se tratava de dois corpos separados e conheciam a estrela da manhã como Tioumoutiri e a da noite como Ouaiti. Da mesma forma, os gregos antigos chamavam a estrela matutina de Fósforo (Φωσφόρος [Phosphóros]; em latim Phosphorus), “o que traz a luz”, ou Eósforo ([Ἐωσφόρος [Eosphóros]; em latim Eosphorus), “o que traz o amanhecer”. A estrela da noite era chamada Ἓσπερος, Hésperos (latinizada como Hesperus), a “estrela da noite”. No auge da Grécia Antiga, os gregos compreenderam que os dois eram o mesmo planeta, que eles chamaram como a sua deusa do amor, Afrodite (do fenício Astarte). Herperos seria traduzido para o latim como Vésper e Fósforo como Lucifer (“Portador da Luz”), um termo poético que mais tarde foi usado para chamar o anjo caído expulso do paraíso. Os romanos, que derivaram muito do seu panteão religioso da tradição grega, chamaram o astro errante de Vénus, a partir da sua deusa do amor. O naturalista romano Plínio, o Velho (História Natural, ii,37) identificava o planeta Vénus com Ísis.

Na mitologia iraniana, especialmente na mitologia persa, o planeta usualmente corresponde à deusa Anaíta. Em algumas partes da literatura pálavi as divindades Aredvi Sura e Anaíta são vistas como entidades separadas; a primeira como a personificação do rio mítico e a última como uma deusa da fertilidade que é associada com o planeta Vénus. Como a deusa Aredvi Sura Anaíta – também chamada simplesmente Anaíta – ambas as divindades são unificadas em outras descrições, como no Criação Original (Bundahišn), e são representadas pelo planeta. Entretanto, no texto avéstico Mer Iaste (Iaste 10) há uma possível ligação antiga a Mitra. O nome persa atual do planeta é Naíde, que deriva de Anaíta e, mais tarde, do termo Anaíde na linguagem pálavi.

O planeta Vénus foi importante para a civilização maia, que desenvolveu um calendário religioso baseado parcialmente nos seus movimentos, e os considerava para determinar o momento propício para eventos como guerras. Eles o chamavam Noh Ek, a Grande Estrela, e Xux Ek, a Estrela Vespa. Os maias conheciam o período sinódico do planeta e podiam calculá-lo dentro da centésima parte de um dia. O povo Masai chamou o planeta de Kileken e tem uma tradição oral sobre ele chamada “O Menino Órfão”.

Vénus é importante em muitas culturas aborígines australianas, como a do povo Yolngu na Austrália setentrional. Os Yolngu se reúnem depois do pôr do Sol para esperar pelo aparecimento de Vénus, que eles chamam Barnumbirr. Quando se aproxima, nas primeiras horas antes do amanhecer, ele traça atrás de si uma corda de luz ligada à Terra e, ao longo da corda, com a ajuda de um ricamente decorado “Mastro da Estrela Matutina”, as pessoas podem se comunicar com seus entes queridos mortos, mostrando que eles ainda amam e se lembram deles.

Na astrologia ocidental, derivada da sua conotação histórica com deusas da feminilidade e amor, considera-se que Vénus influencia o desejo e a fertilidade sexual. Na astrologia védica indiana, Vénus é conhecido como Shukra, significando “claro, puro”, ou “brilho, clareza”, em sânscrito. Um dos nove Navagraha, considera-se que ele afeta a riqueza, o prazer e a reprodução; ele era o filho de Bhrgu, preceptor dos Daityas, e guru dos Asuras. As modernas culturas chinesa, coreana, japonesa e vietnamita referem-se ao planeta literalmente como a “estrela de metal”, baseada nos cinco elementos.

No sistema metafísico da Teosofia, acredita-se que no plano etéreo de Vénus haja uma civilização que existiu centenas de milhões de anos antes da da Terra; acredita-se também que a deidade que governa a Terra, Sanat Kumara, provém de Vénus.

O símbolo astronômico de Vénus é o mesmo utilizado em biologia para o sexo feminino: um círculo com uma pequena cruz em baixo. O símbolo de Vénus também representa a feminilidade, e na Alquimia se referia ao metal cobre. O cobre polido era usado em espelhos desde a antiguidade e o símbolo de Vénus foi algumas vezes entendido como a representar o espelho da deusa.

Talvez a mais estranha aparição de Vénus na literatura seja como o arauto da destruição em Mundos em Colisão de Immanuel Velikovsky (1950). Neste livro intensamente controverso, Velikovsky argumenta que muitas histórias aparentemente inacreditáveis no Velho Testamento são verdadeiras recordações de vezes em que Vénus quase colidiu com a Terra – quando ele ainda era um cometa e não tinha se tornado o dócil planeta que conhecemos hoje. Ele sustenta que Vénus causou a maioria dos estranhos eventos do Êxodo. Ele cita lendas em muitas outras culturas (como a grega, mexicana, chinesa e indiana) que indicam que os efeitos da quase colisão foram globais. A comunidade científica rejeitou este livro não ortodoxo, entretanto ele se tornou um bestseller

Na ficção científica

A impenetrável cobertura de nuvens venusiana deu aos escritores de ficção científica livre curso para especular sobre as condições na sua superfície, mais ainda quando as primeiras observações mostraram que não só ele era muito similar à Terra em tamanho, como possuía uma atmosfera substancial. Mais próximo do Sol do que a Terra, o planeta era frequentemente mostrado como mais quente, mas ainda habitável por humanos. O gênero atingiu o seu máximo entre os anos 1930 e 1950, numa época em que a ciência havia revelado alguns aspectos de Vénus, mas não ainda a severa realidade das condições de sua superfície. As descobertas das primeiras missões a Vénus mostraram que a realidade era bastante diferente e levaram ao fim do gênero. À medida que o conhecimento científico de Vénus avançou, os autores de ficção científica se esforçaram para manter o passo, particularmente em conjecturas sobre a tentativa humana de terraformação de Vénus.